À espera de Silvestre, Raquel Silva encarna o espírito do Samurai: “Fico do lado do tatame até os últimos dias”
Prestes a dar à luz ao seu segundo filho e orientando os atletas durante o Campeonato Carioca, a irmã mais velha da campeã mundial e olímpica Rafaela Silva é exemplo de como o judô ajuda a mudar e a moldar vidas
O Bushido estabelece as 7 virtudes que um verdadeiro Samurai deve ter para poder viver e morrer com honra. Entre eles, estão justiça, coragem, compaixão, polidez, sinceridade, glória e lealdade. Olhando Raquel Silva, que completa 30 anos nesta quinta-feira (16), à beira dos tatames montados na Arena da Juventude, no Parque Olímpico de Deodoro, para o Campeonato Carioca, com uma barriga de 36 semanas, pode perceber algumas dessas características. A primeira, sem dúvida, é a coragem de tão próxima à hora do parto, estar orientando, principalmente, as alunas do Instituto Reação.
“Ainda estou dando aula no Reação para o alto rendimento com foco mais na equipe feminina. Só entrarei de licença quando o bebê nascer. Fico do lado do tatame até os últimos dias”, contou a judoca após uma manhã atuando na segunda competição do calendário da Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro.
Raquel foi a primeira campeã pan-americana de judô do Instituto Reação e era considerada até mais promissora no esporte do que a irmã, Rafaela, campeã mundial e olímpica. Porém, o grande número de lesões durante a carreira e a gravidez precoce atrapalharam o crescimento da atleta. Ainda assim, nunca se deixou abalar, tendo conquistado medalhas em diversas competições internacionais.
“Os piores momentos da minha carreira foram as minhas cirurgias no joelho. Perdi muito tempo, tendo que sempre recomeçar praticamente do zero. Sempre que voltava era uma luta para reconquistar a minha vaga na seleção. Fiquei parada um ano, em 2000, por causa da lesão no joelho esquerdo. Em 2005, foram mais quatro meses com a gravidez. Em 2008, rompi o ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo e fui obrigada a operar e ficar fora por mais dois anos”, desabafou. “Quando voltava, sempre pensava que se uma pessoa treinava durante uma hora, eu tinha que treinar duas para ficar no mesmo nível dela. Foi pensando assim que eu me superei e recomecei todas as vezes”. A glória de nunca desistir é, sem dúvida, uma das maiores características de um grande guerreiro.
Mesmo antes da chegada do pequeno Silvestre, Raquel já tem motivos para acreditar que o judô se perpetuará no caminho da família. Isso porque a primogênita, Ana Carolina, de 14 anos, ingressou no alto rendimento e ficou em terceiro lugar na categoria do Campeonato Carioca. Se depender da mãe, Ana Carolina e Silvestre terão muitas competições de judô pela frente. Raquel, que é formada em Educação Física, pretende seguir a carreira como treinadora depois da aposentadoria como atleta.
“O esporte ajudou minha família e quero poder ajudar outras crianças. Quero mostrar que, independentemente de ser pobre, é possível vencer na vida por meio do esporte. Fomos, eu e Rafaela, criados em uma comunidade sem perspectiva. Com o judô, comecei a viajar, ganhei bolsa em uma escola particular e comecei a ver que havia um outro mundo fora dali. Isso me incentivou a crescer como pessoa”, disse Raquel, mostrando outras duas características do Bushido: compaixão e lealdade.
Se a história dela pode incentivar outras crianças em situação semelhante à de Raquel quando foi fazer a primeira aula no então Judô Comunitário Body Planet, de Geraldo Bernardes, a praticar judô, duas pessoas muito próximas são as que incentivam a atual campeã da Copa Rio Internacional na categoria meio-médio (63kg) na vida: Geraldo Bernardes e Rafaela Silva.
“Quando mais nova sempre ouvia muito as histórias do Geraldo. Ele sempre falava muito do Flávio ter conseguido chegar a seleção em 5 anos e ter começado o judô tarde. Eu me inspirava muito nele. Depois comecei a me inspirar na minha irmã porque ela representa não só a conquista dentro do tatame, mas também é exemplo para todas as crianças que nascem em favela. A Rafaela mostrou que nada disso interfere quando você acredita e vai atrás dos seus sonhos”, contou Raquel, enfatizando a importância da polidez e da cortesia, de ser grato a quem te ajudou, outras virtudes de um grande guerreiro.
Talvez o sucesso no shiai-jô tenha sido menor do que se esperava, mas a história e o comportamento de Raquel Lopes Silva deixam claro que nos tatames da vida, ela é grandiosa, uma verdadeira Samurai.