Com foco na equidade de gênero, FJERJ abre espaço para mulheres na gestão
Nomeação de Bruna Neves para coordenação de arbitragem no último final de semana é apenas uma das ações mais recentes visando a valorização da participação feminina, que passa também por sugestões de judocas do RJ
A valorização do papel feminino em todas as áreas é um caminho sem volta. No judô, depois de lutarem muito tempo às escondidas, devido a uma proibição por lei, as mulheres puderam, finalmente, adentrar os tatames para treinamento e competir. O primeiro Mundial com participação feminina foi apenas em 1980. A primeira Olimpíada, só em 1992, com Rosicleia Campos e Patrícia Bevilacqua representaram o Rio. A primeira medalha olímpica feminina do Brasil foi de Ketleyn Quadros, em Pequim 2008. O primeiro ouro olímpico das mulheres veio 4 anos depois, com Sarah Menezes em Londres. Já o primeiro título mundial veio com a carioca Rafaela Silva, justamente no Rio de Janeiro, em 2013. Isso explica, em parte, a pouca adesão das mulheres à gestão do judô até recentemente, mas os resultados ajudaram com que elas enxergassem novas possibilidades, novos caminhos, graças à muita mobilização fora dos tatames. E na Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro, os exemplos da participação feminina estão aumentando continuamente.
“Fica evidente que FJERJ está disposta a mudar a história do judô feminino no Rio. No entanto, é preciso que mais oportunidades de capacitação e representatividade das mulheres sejam ofertadas nas diferentes áreas para alcançarmos uma efetiva equidade de gênero. Mas estamos confiantes que a abertura da FJERJ a esse debate possa trazer a médio e longo prazo resultados inéditos ao judô feminino”, analisa Gabriela Souza, uma das integrantes do coletivo de mulheres que está auxiliando a FJERJ em tomadas de decisões voltadas às mulheres.
“O grupo Equidade de Gênero Judô Rio começou em março de 2021. Nós resolvemos nos unir para pensar estratégias de valorização, reflexão e equidade de gênero no judô do Rio, tendo em vista que as mulheres no judô representam 30% da quantidade de atletas filiados da FJERJ, 13% são técnicas e menos de 10% são árbitras”, explica Gabriela.
A FJERJ já havia nomeado Ana Moraes como representante do Time Judô Rio em âmbito nacional no que se refere a Kata e tinha Silvana Nagai como integrante da Comissão Estadual de Graus. No último final de semana, Bruna Neves foi eleita membra da coordenação de arbitragem. E outras ações voltadas para as mulheres devem ser realizadas em breve, graças a união entre a vontade da direção e o engajamento da comunidade judoísta, entre eles o grupo Equidade de Gênero Judô Rio.
“As primeiras propostas estão na direção de um mapeamento e reconhecimento das mulheres que já vêm contribuindo com o judô do RJ, sobretudo aquelas que estão nas cidades mais distantes da capital ou se afastaram do judô. Depois de mapearmos essas mulheres por todo o estado, pretendemos começar um seminário onde poderemos divulgar histórias, ações e demandas do judô feminino, não apenas no alto rendimento, mas na base também. Entendemos que todas as ações de equidade de gênero começam com a aquisição de conhecimento”, detalha Souza.
O Time Judô Rio não só valoriza a iniciativa, como incentiva que mais mulheres se engajem e se juntem ao trabalho que vem sendo desenvolvido para o crescimento da modalidade no Rio de Janeiro. Para seguir sendo uma potência, um dos principais celeiros de atletas para a seleção brasileira, é fundamental a participação feminina nas mais diversas frentes.
“Além dos exemplos citados anteriormente, vale ressaltar que temos, em nossa sede, cinco mulheres que colaboram, e muito, na condução da entidade. Já nomeamos outras judocas como chefes de delegação e técnicas das seleções estaduais. Vamos criar um setor para ter um olhar mais cuidadoso nas ações para o desenvolvimento do judô feminino do estado, afim de promover mais igualdade e equidade. Esse, sem dúvida, é um dos principais legados que queremos deixar para as gerações futuras e vamos trabalhar muito nesse sentido, sempre ouvindo quem tem conhecimento e quer colaborar”, disse o presidente Jucinei Costa.
E falando em ouvir, confira abaixo a entrevista completa com Gabriela Souza.
FJERJ: Como surgiu a ideia de formar um grupo para trabalhar em prol da equidade de gênero?
Gabriela Souza: O judô feminino no Brasil vem crescendo desde os Jogos Olímpicos de 2008, quando conquistamos nossa primeira medalha e, por isso, vem ganhando visibilidade no cenário do alto rendimento. Além disso, em 2019, a FIJ criou a Comissão de Equidade de Gênero, mas pouco tem se discutido sobre isso no Brasil, principalmente sobre as dificuldades de meninas e mulheres praticarem judô desde a base, considerando que o senso comum ainda associa o judô a um esporte para homens.
Quando chegou a pandemia e os judocas não puderam mais se encontrar presencialmente, as lives começaram a fazer sucesso. Foi quando tivemos a ideia de fazer uma sobre a história do judô feminino. Isso chamou a atenção da comunidade judoística por todo o Brasil. Daí em diante, vários grupos foram formados ou ampliados em WhatsApp e Telegram, e, nós aqui do Rio, resolvemos nos unir para pensar estratégias de valorização, reflexão e equidade de gênero no judô do estado, tendo em vista que as mulheres no judô representam 30% da quantidade de atletas filiados da FJERJ, 13% são técnicas e menos de 10% são árbitras.
FJERJ: Há quanto tempo estão reunidas?
GS: O grupo Equidade de Gênero Judô Rio começou em março de 2021. Mas nossas conversas e compartilhamento de ansiedades e trajetórias entre as mulheres do RJ começaram no grupo de Judô feminino das veteranas, principalmente por ser um grupo composto por atletas que também são técnicas de suas próprias agremiações. Como tínhamos a necessidade de incluir mais mulheres além das veteranas, começamos a convidar outras técnicas, praticantes de kata, árbitras, atletas e qualquer mulher que quisesse contribuir com ideias para o judô feminino do RJ.
FJERJ: Quais são as propostas de vocês para o Time Judô Rio?
GS: Temos algumas mulheres muito bem ranqueadas no cenário nacional e até internacional, mas ainda representamos um percentual muito baixo em todas as áreas de atuação do judô no Estado. Por isso, as primeiras propostas estão da direção de um mapeamento e reconhecimento das mulheres que já vêm contribuindo com o judô do RJ, sobretudo aquelas que estão nas cidades mais distantes da capital ou se afastaram do judô.
Depois de mapearmos essas mulheres por todo o estado, pretendemos começar um seminário onde poderemos divulgar histórias, ações e demandas do judô feminino, não apenas no alto rendimento, mas na base também. Entendemos que todas as ações de equidade de gênero começam com a aquisição de conhecimento. Se as pessoas não sabem por que somos 30% apenas, precisamos oferecer informações para incentivar reflexões e, quem sabe, mudanças na forma como as meninas e mulheres são acolhidas nas academias de judô por todo o Estado.
Outras propostas a serem pensadas coletivamente são: o incentivo da participação das mulheres nas competições através de premiação diferenciada para academias que inscreverem mais mulheres; criação de um espaço de acolhimento de denúncias de casos de assédios e abusos, que serviria tanto para mulheres quanto para homens; o incentivo a promoção de graduação para mulheres; a oferta de capacitação aos técnicos e postulantes a faixa preta sobre as demandas específicas do judô feminino; dentre outras que podem emergir a partir do início das discussões junto a judocas, homens e mulheres, do Estado do Rio de Janeiro.
FJERJ: Como você vê a FJERJ estar aberta a acolher as sugestões e trabalhar em prol de um tema tão relevante?
GS: Desde os primeiros delineamentos de reflexão sobre o judô feminino no RJ, a FJERJ, na presidência do sensei Jucinei Costa, esteve interessada em acolher as ideias de como melhorar o judô feminino do estado, principalmente tentando entender que demandas são essas. É preciso reconhecer que existem estudos que demonstram as dificuldades de adesão e, principalmente, permanência das mulheres no judô, e agora é preciso pensar em intervenções para combater as atitudes que afastam e impedem as mulheres de ascender no judô, como atletas, técnicas, árbitras, gestoras.
Por isso, foi muito importante o acolhimento da FJERJ para que pudéssemos ser ouvidas e as demandas específicas das mulheres pudessem ser debatidas. Mas ainda estamos no início dessa conversa e muitos espaços devem ser conquistando ainda para que de fato uma evolução possa aparecer. Nós já podemos perceber algumas mudanças neste cenário, com a nomeação de Ana Moraes a coordenação de kata, a coordenação de arbitragem com a Bruna Neves e o ingresso da Silvana Nagai na Comissão Estadual de Graus, onde fica evidente que a FJERJ prima pela excelência na sua comissão gestora e que está disposta a mudar a história do judô feminino no RJ.
No entanto, é preciso que mais oportunidade de capacitação e representatividade das mulheres sejam ofertadas nas diferentes áreas para alcançarmos uma efetiva equidade de gênero no judô do RJ, seja na comissão de graus, como técnicas de equipes principais e cargo de gestão. Mas estamos confiantes que a abertura da FJERJ a esse debate possa trazer a médio e longo prazo resultados inéditos ao judô feminino do Rio de Janeiro.