Entrevista: Alexandre Xavier, novo Coordenador de Kata da FJERJ
Kodansha falou sobre as responsabilidades do cargo, suas expectativas e lembrou em detalhes os senseis que marcaram sua trajetória
* por Diano Albernaz Massarani
Em primeiro lugar, qual o significado para você, neste momento de sua trajetória, de ser nomeado Coordenador de Kata da Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro?
Ser nomeado Coordenador de Kata da Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro representa, neste momento da minha trajetória, uma responsabilidade técnica de grande relevância. O kata é a base estrutural do judô, onde se preservam os princípios fundamentais da arte, como o kuzushi (desequilíbrio), tsukuri (preparação) e kake (execução), além de valores como o respeito, a disciplina e a busca pela perfeição do movimento. Assumir essa função é, portanto, não apenas uma honra, mas um compromisso com a transmissão precisa e fiel dos ensinamentos deixados por Jigoro Kano. Pretendo atuar de forma a fortalecer o entendimento do kata como ferramenta indispensável na formação técnica, filosófica e moral do judoca, promovendo estudos contínuos, padronização e valorização dessa prática dentro da estrutura federativa e dos dojôs.
O Judô do Rio de Janeiro contempla judocas com os mais diferentes objetivos, desde os que dão prioridade às competições de alto rendimento até os professores que buscam o Judô como caminho para a educação de crianças e jovens. Na sua opinião, de que forma a valorização do ensino do kata pode contribuir na formação de um judoca?
A valorização do ensino dos kata é fundamental para o desenvolvimento completo de qualquer judoca, seja ele um competidor de alto rendimento ou alguém que busca no judô um caminho de aperfeiçoamento pessoal e formação. Para os atletas, o kata contribui com disciplina, concentração, senso de tempo e parceria, elementos que se refletem diretamente na performance dentro do tatame. Já para os que veem o judô como uma ferramenta de educação e crescimento, o kata é um meio poderoso de transmitir os valores tradicionais da arte, como respeito, autocontrole e cooperação. Em ambos os caminhos, o kata atua como um elo entre a prática física e a filosofia do judô, promovendo uma vivência mais profunda e consciente daquilo que a modalidade representa.
Considerando toda sua jornada no Judô do Rio de Janeiro, quais mestres são referências que vão servir de modelo para você realizar os seus objetivos como Coordenador de Kata?
Ao olhar para minha trajetória no Judô do Rio de Janeiro, é impossível não me emocionar ao reconhecer os mestres que moldam, todos os dias, o meu caminho. Cada ensinamento recebido permanece vivo — não como algo do passado, mas como uma presença constante que guia minhas atitudes, meu pensamento e meu propósito como Coordenador de Kata.
É com imensa gratidão que falo do Sensei Rubens Machado da Silva, meu professor, que me apresentou o universo do kata e desperta em mim uma nova forma de sentir e viver o judô. Com ele, dou os primeiros passos nesse caminho que não é apenas técnico, mas profundamente humano.
Sensei Gilberto Chebler é quem me motiva em toda a minha trajetória — sua confiança e incentivo ecoam como combustível silencioso nos momentos em que mais preciso seguir adiante.
Sensei Rioiti Uchida está ao meu lado no aperfeiçoamento. Suas orientações me desafiam, me provocam e me levam além do que eu mesmo acreditava possível.
Sensei Luis Alberto dos Santos, além de amigo fiel, me acompanha como treinador nas competições, mostrando que a técnica se fortalece quando caminhamos juntos.
Sensei Dante Kanayama me acolhe com generosidade em seu dojô — treinar sob sua supervisão é um privilégio que carrego como honra e como fonte de inspiração diária.
Tive também o privilégio inesquecível de ser treinado pelo Sensei Massao Shinohara, um verdadeiro símbolo da essência do judô. Respirava o judô com uma naturalidade quase sagrada, e sua presença no tatame transmitia uma sabedoria que ultrapassava o gesto técnico. Treinar com ele e ter a honra de estar em seu dojô foi uma experiência marcante, daquelas que se inscrevem para sempre no corpo e na alma do judoca.
Reconheço ainda, com profundo respeito, o valor do Sensei José de Almeida, um dos grandes precursores do ensino de kata no estado do Rio de Janeiro. Sua trajetória é uma referência histórica e ética para todos nós que buscamos compreender o judô em sua plenitude e respeitar suas raízes mais profundas.
Com a mesma reverência, lembro-me do grande legado deixado pelo Sensei Mário Matsuda, formador de campeões de kata, cujo trabalho técnico e educativo inspira gerações.
Também me sinto honrado pela amizade e pelos aprendizados constantes com o Sensei Gilmar Dias — um estudioso incansável dos detalhes do kata, que partilha seu conhecimento com generosidade e paixão. Sua dedicação me inspira a buscar, todos os dias, a excelência com humildade.
Carrego com respeito e saudade os ensinamentos dos saudosos Senseis Walter Russo, Masami Ogino e Raimundo Gama — mestres cuja presença ainda se faz sentir através do legado que deixaram em tantos judocas. Suas atitudes, exemplos e ensinamentos continuam sendo bússolas silenciosas na preservação do verdadeiro espírito do judô.
E são tantos outros mestres que cruzam meu caminho — que me oferecem palavras, olhares, correções — e me lembram, todos os dias, que o judô é mais do que um esporte: é uma forma de pensar, de agir e de transformar vidas.
Ser guiado por esses mestres, que continuam ensinando com a mesma paixão que os move há décadas — ou por aqueles cujos legados seguem vivos em nós — é uma oportunidade rara e preciosa. Eles não apenas me treinam — eles me tocam, me moldam e me fazem acreditar que é possível honrar esse legado com trabalho, seriedade e coração.
Neste novo desafio como Coordenador de Kata, levo comigo não apenas técnicas, mas memórias vivas. Cada saudação, cada kata executado lado a lado, cada palavra dita entre um treino e outro: tudo isso constrói em mim a missão de preservar e transmitir o judô com o respeito e a alma que ele merece.
Por qual realização você mais gostaria de ser lembrado pela comunidade do Judô Rio após a sua gestão como Coordenador de Kata?
Sinceramente, mais do que por uma realização pessoal específica, eu gostaria de ser lembrado como alguém que deu continuidade, com respeito e dedicação, ao caminho trilhado por tantos mestres que vieram antes de mim — mestres que fizeram do judô, no Rio de Janeiro, não apenas um esporte, mas uma verdadeira forma de viver.
Se houver algo que eu possa deixar como marca, que seja o fortalecimento da cultura do kata como ferramenta de formação do caráter, da disciplina e da essência do judoca. Mas que isso não seja visto como uma conquista individual — e sim como um elo em uma corrente muito maior, que passa de geração em geração, sustentada por valores que jamais devem ser esquecidos.
Ser lembrado, mesmo que discretamente, como alguém que soube honrar esse legado e contribuir, ainda que em pequena parte, para que o judô siga sendo luz no caminho de tantos jovens e mestres, já seria para mim mais do que suficiente.